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O Cinema e uma Nova Percepção
Filosofia
Observe como as cabeças, nesta
litografia, parecem se entrecruzar,
sem que saibamos exatamente
onde começa ou termina uma e
outra. Ao mesmo tempo em que
nos percebemos, trocamos infor-
mações, conteúdos, idéias, senti-
mentos, nos mesclando, nos in-
terferindo, multiplicando nossas
faces e nossas possibilidades.
medida que recebe as imagens, a inteligência, alimentada pela experi-
ência, faz a “colagem”, isto é, a organização desse material. Segundo a
psicologia tradicional, a visualização do mundo e o sentido que as coi-
sas possuem, na verdade são dados e montados por uma mecânica de
estímulo-resposta e de racionalização do que se percebe. As coisas são
vistas separadamente e montadas pelo intelecto.
Já no terreno da psicologia moderna, a Gestalt, fundamentada na
fenomenologia, procura compreender a percepção como um conjunto
no qual prevalece a visão. A percepção, segundo essa teoria, se dá de
uma vez só, ou seja, o trio cérebro-retina-estímulos não estão se-
parados e montados numa máquina chamada “mente humana”.
O processo não é matemático ou automático como se pensava
e calculava a psicologia clássica. A percepção do mundo não se
dá de maneira intelectiva. Ela acontece já na própria sensibilida-
de do campo visual, a partir da inserção do sujeito no mundo, ou
seja, na percepção está implícita a situação no espaço e no tem-
po em que o sujeito está inserido. Quando vejo algo, já faço com
sentido, isto é, a percepção se dá num todo organizado, numa
determinada ordem, que não é necessariamente a ordem lógica
ou cronológica, mas que obedece à configuração pela qual pos-
so ler, interpretar, significar, de acordo com sentimentos, com a
história de vida, com o contexto social, com os valores morais, enfim,
a todo o universo de representações nas quais estou inserido.
O perceber é também significar, organizar é representar mentalmen-
te com sentido. Os objetos se apresentam à percepção e à mente sem-
pre motivados, como que magnetizados intuitivamente, a partir de al-
gum ponto que chama a atenção. Isso explica porque, duas pessoas, ao
observarem a mesma cena ou objeto, “escolhem” determinados pontos
centrais, que mais lhe chamam a atenção, ou ainda, como fixamos nos-
sa visão em fundo e figura. Isso não se dá apenas por uma questão de
escolha racional, lógica, mas por uma questão de sentido – enquanto
organização do campo visual e significado – enquanto ligação emotiva
e sentimental, que cada uma constrói no ato mesmo de percepção.
Quando observo uma paisagem, por exemplo, não busco ou cons-
truo sentido num momento posterior ao da retina receber a informa-
ção. A percepção não se dá em dois momentos distintos, como se pen-
sava tradicionalmente. Isso tudo acontece ao mesmo tempo em que
a observo. A nossa retina é cega e não sabe o que vê, nem escolhe o
que ver. Quem faz essa composição, quem dá essa homogeneidade é
a percepção mesma. Ao invés de um mosaico de representações temos
um sistema de configurações.
A racionalização do que se percebe, isto é, a construção de teo-
rias abstratas sobre o que se vê, é algo posterior à percepção. A racio-
nalização ou teorização imaginativa é orientada pelas regras lógicas,
dedutivas, mas o pensamento analítico e reflexivo é secundário nes-
Bond of Union, (1956). Litografia
do artista neerlandês M.C. Escher
(1898-1972). Galeria Nacional
do Canadá. www.printstore.com
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Gestalt
“Configuração” ou “forma” em
alemão. Esta corrente da psico-
logia, surgida no início do sécu-
lo XX, com idéias de psicólogos
alemães e austríacos, se opõe
à psicologia tradicional que via
o conhecimento e a percepção
do mundo como partes separa-
das, que a mente, racionalmen-
te juntava e dava significado. A
Psicologia da Forma afirma que
temos uma tendência mental
de configurar, de dar forma, de
compor significativamente aqui-
lo que se percebe. Quem de nós
nunca brincou de olhar para o
céu e buscar nas nuvens dese-
nhos (formas) que já são conhe-
cidas (com sentido)?