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Almodóvar: reflexões sobre estética no cinema

Andres Kalikoske
April 16, 2017
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Almodóvar: reflexões sobre estética no cinema

Andres Kalikoske

April 16, 2017
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  1. ESTÉTICA Estética significa percepção, sensação, sensibilidade. E um ramo da

    filosofia que tem por objetivo o estudo dos fundamentos da arte. A teoria estética estuda o julgamento e a percepção do que é considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos e as diferentes formas de arte e técnica artística. Por outro lado, a estética também pode ocupar-se do sublime, ou da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio, ou até mesmo ridículo. OBJETIVOS E LIMITES O objetivo desta aula é analisar as relações estéticas que podem ser compreendidas a partir dos filmes do cineasta espanhol Pedro Almodóvar. A ideia é compreender como o sistema de códigos e símbolos construídos no universo do diretor pode constituir uma estética ao mesmo tempo própria e sintomática de um determinado Período histórico-cultural.
  2. MATRIZ NARRATIVA O cinema de Almodóvar deslancha quando a sociedade

    espanhola está no limiar do esgotamento de uma tradição. Suas narrativas são inspiradas pelo movimento contracultural dos anos 1970 chamado Movida Madrileña, cultuado pela cultura jovem marginal. O movimento ocorre na passagem da ditadura franquista para uma nova sociedade democrata. Nesse período, a noite de Madri costumava ser muito ativa, não apenas pela presença de jovens – que passaram a ocupar as ruas sem medo de repressões –, mas também pelo interesse incomum da população juvenil por culturas alternativas ou subterrâneas (underground). A imagem de uma Espanha moderna seria utilizada internacionalmente para combater a imagem negativa que o país havia adquirido. A contracultura pode ser definida como um movimento que questiona valores centrais vigentes em uma sociedade. Geralmente é composto por pessoas socialmente excluídas e que se negam a aceitar visões aceitas pelo mundo. Com o desenvolvimento das mídias, a difusão de normas, valores, gostos e padrões de comportamento se libertavam das amarras tradicionais e locais – como a religiosa e a familiar –, ganhando uma dimensão universal e aproximando a juventude do mundo globalizado.
  3. MATRIZ NARRATIVA “De um lado, o termo contracultura pode se

    referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude que marcaram os anos 60. De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante.” “Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, 'rompe com as regras do jogo' em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.” PEREIRA, Carlos Alberto. O que é contracultura. São Paulo: Braziliense, 1992.
  4. HIBRIDIZAÇÃO DE GÊNEROS Os filmes de Almodóvar transitam em diferentes

    gêneros. Podemos identificar essa transição inclusive em seus filmes que tentem ao gênero dramático e, eventualmente, apresentam elementos de comédia e de deboche. Esses elementos estão diretamente relacionados com as experiências de cultura underground espanhola dos anos 1980, vividas pelo diretor.
  5. ESTÉTICA EM ALMODÓVAR O cinema de Almodóvar é muito mais

    do que a presença de cores vibrantes. As mulheres, além de protagonistas, concentram toda a estrutura narrativa. As mulheres de Almodóvar são fortes e os homens apresentam traços de feminilidade. Os personagens são complexos e vivenciam situações-limite. Uma de suas personagens imperfeitas, Manuela busca um reencontro consigo mesma em sua volta para Barcelona. Ao perder-se, a personagem busca se encontrar, uma volta às suas origens. Agrado, travesti interpretado pela atriz Antónia San Juan, ao listaras transformações que seu corpo sofreu, nos coloca uma questão filosófica: o que é uma mulher? No roteiro de Almodóvar, "uma pessoa é tanto mais autêntica quanto mais se parece com aquilo que ela sempre sonhou para si mesma".
  6. ESTÉTICA EM ALMODÓVAR O desejo abre um vasto leque de

    opções objetivas e subjetivas, que promovem abordagens dimensionadas desde os instintos até a racionalização das formas de produzi-lo e de experimentá-lo. A sexualidade aparece como o principal objeto para discutir este aspecto humano que une impulso e sentimento. O que mais se percebe nos filmes é a necessidade de realizar o prazer. As escolhas narrativas do diretor são mesclas de estruturas dramáticas, de deboche, de melodrama , de personagens grotescos e elementos modernos que transitam entre o pop, o humor ácido e o kitsch.
  7. O POP O pop está, sobretudo, nos primeiros filmes de

    Almodóvar. O diretor opta pelo ecletismo, misturando gêneros e a cultura moderna de objetos coloridos a elementos tradicionais da cultura espanhola. No mundo, esse movimento operava com signos estéticos de cores inusitadas massificados pela publicidade e pelo consumo, usando como materiais principais: gesso, tinta acrílica, poliéster, látex, produtos com cores intensas, fluorescentes, brilhantes e vibrantes, reproduzindo objetos do cotidiano em tamanho consideravelmente grande, como de uma escala de cinquenta para um, objeto pequeno, e depois ao tamanho normal.
  8. O HUMOR ÁCIDO É preciso relembrar que o cinema de

    Almodóvar surge quando o cinema espanhol está no limiar do esgotamento de uma tradição. Nesse sentido, a acidez de seu humor se justifica pela possibilidade de explorar situações mórbidas, o politicamente incorreto, buscando extrair comicidade ou inserir elementos mórbidos, macabros e trágicos em situações cômicas. Entre os temas retratados pelo humor ácido estão a morte, as doenças, as desgraças, entre outros. O interessante dos personagens é que há aceitação e redenção – ou buscas nesse sentido. São camadas de histórias que vão se sobrepondo e revelam um roteiro complexo e personagens psicologicamente instáveis.
  9. O KITSCH Kitsch designa uma categoria estética de objetos vulgares,

    baratos, sentimentais, bregas, que copiam referências da cultura erudita sem critério e não atingindo o nível de qualidade de seus modelos. Embora o kitsch apresente a si mesmo como profundo, artístico, importante ou emocionante, raramente estes predicados são verificáveis quando se analisa uma obra de perto. É um produto da industrialização e da cultura de massa, sendo considerado típico da classe média com pretensões de ascensão social, ainda que também utilizado com intenção pejorativa e como reprovação moral. Entretanto, o kitsch é um fenômeno de largo alcance, movimenta uma indústria milionária e para grande número de pessoas constitui, mais do que uma simples questão de gosto, todo um modo de vida, tendo para este público todos os atributos da legitimidade.
  10. O KITSCH Apareceu de forma importante também na produção de

    muitos artistas influentes do "grande circuito", e quase toda a arte, arquitetura e design pós-modernos apresentam características que podem ser classificadas como kitsch. Hoje em dia a tradicional distinção entre ele e a cultura erudita dificilmente se sustenta em bases objetivas.
  11. O ESPERANTO A primeira influência estética de Almodóvar parte do

    esperpento, estilo espanhol que tem suas raízes dentro da literatura, da pintura e do teatro. Esteticamente está relacionado ao mundo do carnaval, apresentando personagens fantasiados e um espírito da festa. Nele se encontram a inversão de papéis sociais, a paródia, a caricatura, as brincadeiras picarescas – que mergulham no ridículo –, as piadas chulas e outras obscenidades. Junte-se a isso o hibridismo e outras obscenidades.
  12. DO EXÓTICO AO SINGULAR, TENDO O DESEJO COMO O FIO

    CONDUTOR DA NARRATIVA O cinema de Almodóvar possui narrativa não linear e é autorreferencial, com roteiros que pregam a diversidade, a liberdade feminina, a naturalização do sexo, e as vergonhas. Mesmo a traição é tratada sem culpas Outro elemento constantemente presente é o travesti, com personagens inspirados no teatro na rua, e na Espanha obscura dos guetos e da abertura política. Nesse conjunto também encontramos personagens michês, psicopatas, sadomasoquistas, gays e pervertidos. No âmbito das narrativas, o que conta é a realização desenfreada do desejo sexual sem limites. Em Almodóvar, a satisfação é uma pulsão.
  13. CINEMA METANARRATIVO Metanarrativa é quando utilizamos uma linguagem para falar

    sobre a própria linguagem. Por exemplo, quando o assunto de um livro é outro livro ou quando um filme tem como tema a gravação de outro filme. No cinema, a metalinguagem tem como principal função revelar as estratégias narrativas usadas pelo cinema para explicitar o seu código e remeter-se à sua própria estrutura, seja através de citações intertextuais ou mesmo na relação do espectador com o reconhecimento do discurso cinematográfico. Em Tudo Sobre Minha Mãe, seria Esteban o roteirista de um enredo sobre sua própria mãe?
  14. TONS DE ALMODÓVAR Os filmes de Almodóvar também são conhecidos

    por sua fotografia peculiar. O mix de cores vibrantes e caóticas, os elementos trazidos da cultura popular usados tanto no figurino quanto na cenografia não são os únicos a definir a estética do diretor. A paleta de cores em seus filmes sempre foi vibrante, mas se há uma dominante, esta é o vermelho. Símbolo de amor, de paixão, de ódio e de sangue, ela parece simbolizar os sentimentos que o cineasta faz questão de evocar ao longo de seus filmes, seja no detalhe de um sapato ou num vestido, seja num cenário extravagante.
  15. ANDRES KALIKOSKE [email protected] FACEBOOK.COM/KALIKOSKE COUTINHO, Angélica; GOMES, Breno Lira (Orgs.).

    El deseo: o apaixonante cinema de Pedro Almodóvar. São Paulo: Senac, 2011. HOLGUÍN, Antonio. Pedro Almodóvar. Madri: Cátedra, 1994. PEREIRA, Carlos Alberto. O que é contracultura. São Paulo: Braziliense, 1992. PORTELA, Rosana Silva. A micropolítica do desejo no cinema de Pedro Almodóvar: análise da primeira fase da obra do cineasta espanhol. Dissertação de Mestrado (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo, 2011. STRAUSS, Frederic. Conversas com Almodóvar. São Paulo: Zahar, 2008.