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Microfísica do Poder

Microfísica do Poder

Andres Kalikoske

October 04, 2016
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  1.  O arquivo se trata do jogo das regras que

    determina, na cultura, o aparecimento e o desaparecimento dos enunciados, sua persistência e seu apagamento.  A arqueologia tem justamente o objetivo de reconstruir o maior número possível de “marcas discursivas”, para que o pesquisador seja capaz de reconstituir o ambiente ao qual está interessado em pesquisar.  Ao contrário do senso-comum, em Foucault, o arquivo não representa o conjunto de textos conservados por determinada civilização.  Foucault concentrou-se no modo como nosso discurso (a maneira pela qual falamos e pensamos sobre as coisas) é formado por um conjunto de regras, por vezes inconscientes, fixadas pelo tempo histórico em que nos encontramos.
  2.  Método que visa pesquisar a constituição histórica de determinado

    conhecimento como fator de emancipação dos sujeitos.  Trata-se de uma exumação das evidências - ou seja, “retirada dos restos mortais” após o sepultamento - e suas estruturas ocultas, localizadas em um período histórico específico.  Procura descortinar a história do pensamento cultural sobre determinado objeto, fato ou realidade, que em geral se trata de um processo que se dá de maneira inconsciente, sem reflexão e crítica. Para Foucault, grande parte do conhecimento está implícito, escondido, amarrado por estruturas e sistemas.  A arqueologia busca exibir as configurações que constituíram os discursos que limitaram determinado sistema de pensamento.  Ocorre a partir da análise minuciosa e cruzada de documentos históricos.
  3.  Corresponde ao alicerce sobre o qual se articulam o

    conhecimento e as estruturas de pensamento de determinada época.  A episteme de nossa época, a pós-modernidade, é o que torna possível acreditarmos em determinados conceitos, aceitando-os como verdade.  Um dos desafios colocados por Foucault é nos livrarmos da episteme em que vivemos para compreender, a partir do método arqueológico, como o conhecimento que aceitamos como verdade se constituiu historicamente.  Foucault pesquisou a episteme das seguintes épocas: final do renascimento (por volta do século 16) até a modernidade (séculos 19 e 20), com apreço especial a chamada idade clássica (séculos 17 e 18).
  4.  A arqueologia se constitui como um método-chave para a

    genealogia, uma vez que desenterra e cria o material que nos permite traçar genealogias (WILLIANS, 2005, p. 163).  A genealogia compreende que a história não é linear, mas repleta de percalços, desvios, limitações. A partir da genealogia, rupturas surgem na história das ideias e contradizem teses sobre períodos históricos homogêneos (WILLIANS, 2005, p. 163).  Não está preocupada com o fato histórico, mas em analisar as condições para que determinado discurso seja aceito como verdade, como saber, como norma, como cultura.  Perguntas possíveis: O que condicionou a sociedade a pensar desta forma? Como ela condiciona movimentos para o futuro?
  5.  Trata-se de um conjunto heterogêneo de comporta discursos, instituições,

    soluções arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filantrópicas; em suma: tanto o dito quanto o não dito (FOUCAULT, 1977, p. 206).  A verdade é uma produção histórica cuja análise remete a suas regras de aparecimento, organização e transformação. A arqueologia busca encontrar os enunciados (o "jogo de regras" que possibilitam comprovar como um discurso é considerado verdadeiro.
  6.  O indivíduo é condicionado pela episteme ao qual está

    atrelado.  É uma criação histórica, fabricada por essa tecnologia específica de poder que chamamos de disciplina.  O termo designa a maneira com que o poder, desde o século 17, passa a condicionar a vida social a partir de noções de saúde, higiene, alimentação, sexualidade, etc. São temas que se tornaram novos desafios políticos.  Nesse sentido, o ser humano, como o conhecemos, é uma fabricação recente.
  7.  A hipótese principal deste livro é que a loucura

    não é um fato biológico, mas um fato cultural. Porque a loucura não existe na natureza humana. Foucault se utiliza da genealogia para comprovar que o conceito de loucura se transforma através dos tempos. Vejamos a genealogia proposta no livro:  Idade Média – o louco era visto como um visionário, um ser dotado de inteligência, que mereceria ser escutado e seguido.  Renascimento – o louco passa a ser visto como dotado de “outra razão”, um ser pertencente “a outro mundo”, que vaga pelas ruas com sua própria realidade.  Idade Clássica (séc. 16 e 17) – a loucura passa a ser considerada uma desrazão e o louco é visto como alguém que está errado. A loucura passa a ser algo que nos leva ao equívoco e o louco é ignorado. Em alguns casos, o louco é internado em clínicas médicas e até mesmo criminalizado, dependendo de seus atos.
  8.  Durante o século 17 os loucos são banidos da

    vida pública, encarcerados e torturados. Há uma forte criminalização da loucura. Nesse momento surgem os chamados “hospitais gerais”, onde o louco era enclausurado.  Ainda nesse período, a loucura, antes sacralizada, é reduzida a um escândalo, um crime. Eram considerados loucos também os mendigos, desocupados, homossexuais, vagabundos, devassos, bêbados e todo comportamento que desviasse a "normalidade clássica".  Século 18 – Na época da Revolução Industrial, a loucura deixa de ser um crime e torna-se uma doença individual. Há o mito de que há um “homem normal” e que os loucos devem ser medicados. Com a Psicanálise, o louco pode falar aos psiquiatras. Um doente mental que deve ser estudado. O médico, sujeito “normal”, representa o poder da razão sobre a loucura.
  9.  Esta obra descortina o tipo de poder característico das

    sociedades capitalistas.  O início do século 19 assinala o momento em que a medicina, criticando seu passado e para justificar sua originalidade, se apresenta como ciência.  A ruptura que se processou no saber médico não é devida basicamente a um refinamento conceitual, nem à utilização de instrumentos técnicos mais potentes, mas a uma mudança ao nível de seus objetos, conceitos e métodos.  A medicina moderna implica o surgimento de novas formas de conhecimento e novas práticas institucionais.
  10.  Foucault pesquisa a história do sistema carcerário, demonstrando que

    o fenômeno da punição é indissociável do processo de divisão do trabalho. O capitalismo impõe às prisões seu modelo de “corpos dóceis”, a partir da organização de tarefas desempenhadas pelos presos.  No século 18, os suplícios sangrentos que ocorriam em praças públicas são substituídos pelas prisões.  Começa a surgir o projeto da sociedade de vigilância, ao qual todo indivíduo deve estar visível ao poder. Nesse sentido os presos eram catalogados, fichados, acompanhados e avaliados por especialistas. Surge a ideia de subversão e a figura do delinquente, até então inexistente.  A arquitetura das prisões seria o modelo “invisível” e econômico do “panóptico”, onde um vigilante, invisível no centro, controla as celas iluminadas.
  11.  O poder não é uma coisa ou objeto, mas

    uma rede de mecanismos sutis socialmente disseminados.  O poder é microfísico, não havendo um poder soberano, mas micropoderes que constituem os domínios do aparelho governamental. Esses micropoderes aparecem em todos os lugares, dissolvidos na arena social. Constituem o que podemos chamar de cultura.  O poder não é somente a dominação de uma classe por outra; está nas estruturas, em suas capacidades de determinar identidades e atos, valores e normas.  O poder é uma prática, é uma relação. Todos exercem o poder e estão subjulgados a ele nas relações sociais.
  12.  Os micropoderes representam um poder disciplinar que redunda em

    técnicas de dominação: mecanismos, dispositivos e instrumentos que asseguram a vida social.  O saber, mesmo sem respaldo científico, está ligado ao poder, porque quem dispõe de saber dispõe de poder. O poder condiciona e se apropria das descobertas científicas, constituindo uma episteme – o saber de determinada época.
  13.  Michel Foucault denuncia a reformulação da economia dos mecanismos

    de poder, inicialmente desenvolvendo sua tese sobre o papel fundamental da repressão sexual na constituição do capitalismo, enquanto “modo fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade" (FOUCAULT, 2014, p. 9).  A cultura encarregou-se de desenvolver uma constituição repressiva acerca da sexualidade. Foi a interdição das sexualidades.  Seu ponto de partida é a "hipótese repressiva": a sexualidade teria sido incompatível com o desenvolvimento do projeto capitalista, frustrando forças de trabalho possivelmente dissipadas nos prazeres não findados na reprodução. Reprimir as energias consideradas inúteis para que os interesses do capital avançassem parece ter sido, ao menos inicialmente, uma das fortes razões pelas quais a cultura condicionou a sexualidade a ocupar posição social marginal.
  14.  A hipótese repressiva não deve ser desenvolvida no sentido

    de compreender os motivos pelo qual somos socialmente reprimidos, mas, nas palavras de Foucault, "por que dizemos, com tanta paixão, tanto rancor contra nosso passado mais próximo, contra nosso presente e contra nós mesmos, que somos reprimidos” (FOUCAULT, 2014, p. 13).  Foucault observa que a sexualidade perde a frouxidão discursiva característica do início do século para transferir-se a recintos privados. Seja no quarto dos pais, na casa de saúde ou no meretrício cuja finalidade vem a ser o valor mercantil – chamados recintos de admissão –, instaura-se na cultura um jogo de pudores que sequer permite mencioná-la, ainda que siga exaurida pelos poros. Uma vez retiradas suas autenticidades, a sexualidade perde seu status de instinto natural, codificando-se como função reprodutora ou econômica.
  15.  Para a gestão desta normatização do silêncio, discursos remanescentes

    passam a ser punidos com sansões. Mas tal interdição ou projeto repressivo diferencia- se de normas punitivas duras. Trata-se de um dispositivo cultural microfísico capaz de condenar o desejo ao desaparecimento.  Aos que se consideram transgressores de discursos, deliberados a explanar sua sexualidade com plenitude, proclamando ou interpelando a sexualidade com deliberação, exalando com crédulo um sentimento de satisfação ao acreditarem que, para si, muito mais que para os outros, as questões estão resolvidas, o recado de Foucault é bastante claro: ao mesmo tempo em que, até certo ponto, circunscrevam-se fora dos limites do poder e da lei, adiantando uma liberdade futura, desempenham papel fundamental na sustentação da hipótese repressiva (FOUCAULT, 2011, p. 11).
  16.  O "benefício do locutor", paradoxo daqueles que se encontram

    no centro supostamente transgredindo os limites - tais como intelectuais, cientistas ou sanitaristas; ou a partir de instituições sociais -, não estão menos castrado pelo desenvolvimento da cultura instaurada a partir do século 17 que os demais.
  17.  Foucault nos ajuda a pensar a história do conhecimento

    não a partir de uma progressão, mas a partir de desvios, paradas, barragens, idas e voltas.  Suas obra inovadora, no âmbito histórico-filosófica, abre novas possibilidades para a pesquisa histórica, ao mesmo tempo em que representa uma ruptura com pesquisas anteriores..  Pensar as marginalidades, as minorias, as singularidades, sem classificações limitantes que empobrecem o desafio do conhecimento.  Então, para Foucault, as verdades não existem? Tudo é relativo? Não é bem isso. Pensar com Foucault significa compreender que a episteme de cada época terá verdades que lhe serão úteis e, portanto, aceitas.  De forma aprofundada a relação entre as estruturas sociais a constituição dos sujeitos, sobretudo em termos de saber, liberdade e poder.