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Recordação de álgebra linear

Recordação de álgebra linear

Começo reportando a evolução para a abstração do conceito de espaços vetoriais. Depois apresento o espaço das funções reais a valores reais, discuto a ideia de subespaço vetorial e apresento diversos exemplos (polinomiais, matrizes triangulares, simétricas, etc). Em seguida discuto subespaços gerados, dependência e independência linear, bases e dimensão. Apresento o grupo Bourbaki e o conceito de estruturas algébricas - grupos, corpos e álgebras lineares. Ao final apresento o conceito de espaço vetorial normado, de produto interno e a ideia de espaços de Banach e Hibert. Mostro como calcular a norma de algumas funções.

Paulo Bordoni

April 08, 2014
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Transcript

  1. As bananas estavam verdes, logo ficarão maduras. Precisamos recordar mais

    alguns conceitos importantes de espaços vetoriais.
  2. O conceito abstrato de espaço vetorial admite uma grande variedade

    de instâncias. Sim, já vimos os vetores no plano e espaço euclidianos. Generalizamos para ℝ e ℂ, com vetores linhas e coluna. Vimos também o espaço das matrizes ℳ(, ).
  3. 1800 1820 1840 1860 1900 1920 1880 Poncelet Chasles Bolzano

    Möebius Grassmann Hilbert Peano Banach Schmidt Bellavitis Argand Cayley Laguerre Hamilton MacTutor History of Mathematics Article by: J J O'Connor and E F Robertson http://www-history.mcs.st- andrews.ac.uk/HistTopics/Abstract_linear_spaces.html A evolução do conceito de espaço vetorial aconteceu ao longo do século XIX. Veja abaixo quem contribuiu, e quando. Na página seguinte, como.
  4. Ano Matem. Contribuição Comentário 1804 Bolzano Axiomatização da geometria Bases

    para o conceito de espaço vetorial 1814 Argand Os complexos como pontos no plano Pares ordenados de números reais 1822 Poncelet Geometria projetiva Abstração 1827 Möebius Coordenadas e cálculo baricêntrico 1832 Bellavitis Segm. orient. , soma, escala, equipolência Fundamental p/ o conceito de vetor livre 1834 1843 Hamilton Complexos como vetores no plano. Quaternions 1837 Chasles Geometria projetiva 1857 Cayley Álgebras matriciais 1844 Grassmann Álgebras abstratas (de Grassmann) Dependência e indep. linear, dim. 1867 Laguerre Matriz de sist.linear, adição, escala, mult. Matrizes como espaço vetorial 1888 Peano Formalização completa do conceito de espaço vetorial Um homem muito adiante do seu tempo 1890 Pincherle Operadores lineares em esp. dim. infinita 1904 Hilbert A teoria do espaços de dim. infinita O maior matemático de seu tempo 1908 Schmidt Linguagem geométrica p/ esp. de Hilbert Orientado de Hilbert 1920 Banach Axiomatização completa de esp. vetorial Tese de doutorado – marco inicial da Análise Funcional
  5. O exemplo mais belo de espaço vetorial é o próximo:

    Se tudo sobre espaços vetoriais se resumisse aos ℝ, ℂ e ℳ , , o mundo seria pobre.
  6. Arrasou Mestra! As funções a valores reais ... Assim fica

    difícil... Bem, vou tentar me concentrar no conjunto ℱ(, ℝ) de todas as funções : → ℝ.
  7. Sim, se , ∈ ℱ(, ℝ) a soma f +

    g delas é a função de ℱ(, ℝ) definida para cada ∈ por + = + () Podemos somar funções de ℱ(, ℝ).
  8. Sim, se ∈ ℱ(, ℝ) e ∈ ℝ o produto

    ∙ é a função de ℱ(, ℝ) definida para cada ∈ por ∙ = ∙ Também podemos escalar uma função ∈ ℱ(, ℝ).
  9. Mestre, escolha = [, ] e mostre a soma e

    o fator de escala para funções, graficamente. Seu pedido é uma ordem! Mostrarei primeiro a soma, com expressões genéricas para e . Depois ∗ ().
  10. Aqui o resto do código. Esta parte é a que

    permite exibir graficamente as 3 funções.
  11. Observem que para cada ponto x em [0 ,1], a

    coordenada y em vermelho é a soma das coordenadas y em azul (tracejada e contínua).
  12. Aqui o resto do código. É a parte que permite

    exibir graficamente a função f e sua escalada L*f . Na próxima transparência os gráficos.
  13. Observem que para cada ponto x em [-1 ,1], a

    coordenada y em vermelho é a coordenada y em azul escalada de L.
  14. Conjuntos permitem agrupar coisas mediante propriedades. Algumas delas permitem subclassificar

    seus elementos. Subconjuntos e subespaços vetoriais incorporam essa ideia.
  15. O prefixo sub objetiva evidenciar a propriedade de fechamento: ∀

    ∈ ℝ, ∀, ∈ , + ∈ . Um subconjunto W de um espaço vetorial V que é, ele mesmo, um espaço vetorial com as operações de V é um subespaço vetorial de V.
  16. Não percebi claramente a sutileza, Mestra! O que a Mestra

    quis dizer com a fórmula é: “W é subespaço de V quando combinações lineares de elementos de W não escapam de W”
  17. As funções contínuas em [0, 1] constituem um subespaço de

    ℱ[0,1]. E ele é anotado 0,1 . Sim: • A soma de funções contínuas também é contínua. • A escalada de uma função contínua não perde essa qualidade.
  18. As funções polinomiais em ℝ constituem um subespaço de ℱ.

    E ele é anotado . Sim: • A soma de polinomiais também é uma função polinomial. • A múltipla de uma função polinomial não perde a sua qualidade.
  19. As matrizes triangular inferior constituem um subespaço de . O

    mesmo é verdade para as matrizes triangular superior. Sim: • A soma de matrizes triangular inferior é uma matriz triangular inferior. • A múltipla de uma matriz triangular inferior não deixa de ser triangular inferior.
  20. As matrizes simétricas constituem um subespaço de . Sim: •

    A soma de matrizes simétricas é uma matriz simétrica. • A múltipla de uma matriz simétrica não deixa de ser simétrica.
  21. Se X é um conjunto de vetores de um espaço

    vetorial V, o conjunto constituído por todas as combinações lineares dos vetores de X é um subespaço de V. Ele é chamado de subespaço gerado por X. O subespaço gerado por X pode ser o próprio V.
  22. Vetores = 1 2 3 , = 1 2 3

    , = 1 2 3 , não-nulos, são linearmente independentes quando a igualdade 1 2 3 + 1 2 3 + 1 2 3 = 0 0 0 só for válida para = 0, = 0, = 0. Agora uma grande definição:
  23. Três formas distintas de escrever um sistema linear de 3

    equações a 3 incógnitas. 1 + 1 + 1 = 2 + 2 + 2 = 3 + 3 + 3 = Equações 1 1 1 2 2 2 3 1 = Produto matriz-vetor 1 2 3 + 1 2 3 + 1 2 3 = Combinação linear
  24. De acordo com o que o Mestre escreveu, podemos concluir

    que vetores = 1 2 3 , = 1 2 3 , = 1 2 3 são linearmente independentes quando o sistema linear abaixo possuir somente a solução nula: = 0, = 0, = 0. 1 + 1 + 1 = 0 2 + 2 + 2 = 0 3 + 3 + 3 = 0 ⟹ = 0 = 0 = 0 1 1 1 2 2 2 3 1 = 0 0 0 ⟹ = 0 0 0
  25. É isso aí Loirinha! Em outras palavras, só quando o

    sistema linear homogêneo 1 2 ⋯ = 0 0 ⋮ 0 , cuja matriz é formada pelos vetores coluna 1, 2, ⋯ , , fornecer a solução nula, = 0 0 ⋯ 0
  26. Uma base B de um espaço vetorial V é um

    subconjunto LI maximal. Em outras palavras, se ∉ então ∪ será LD.
  27. A dimensão dim() de um espaço vetorial V é o

    número de vetores uma base de V. A maximalidade garante que todas as bases de V possuirão o mesmo número de elementos.
  28. Teremos a oportunidade de ver alguns espaços de funções cuja

    dimensão é infinito enumerável. Um espaço vetorial possui dimensão finita quando dim ∈ ℕ.
  29. Essa evolução das entidades matemáticas em direção à abstração culmina

    com o conceito de estruturas algébricas, baseado essencialmente na teoria dos conjuntos. O representante, por excelência, desse modo de pensar abstrato é o grupo de matemáticos, na maioria franceses, conhecido sob o pseudônimo de Bourbaki.
  30. Outros livros dos “Elementos” de Bourbaki (não os de Euclides)

    são: Álgebra, Topologia, Funções de uma variável real, Espaços vetoriais topológicos, Integração, Àlgebra comutativa e Teoria espectral. As publicações do grupo talvez sejam o último trabalho com pretensões enciclopédicas na matemática... Elas iniciaram os “Elementos de Matemática” com ”Teoria dos Conjuntos”
  31. Rafael pintou Platão, em “Escola de Atenas” com o rosto

    de Leonardo da Vinci, em vingança ao fato dele desprezar os artistas. Segundo Platão artistas fazem cópias da cópia da realidade, que é o “mundo das ideias”. Tão platônicos quanto o próprio Platão.
  32. Repetindo, os Bourbaki tem interesses mínimos por: • Algoritmos •

    Resolução de problemas • Heurística • Lógica • Aplicações Mestre, temos então um conflito enorme de interesses. Já vimos que esses conceitos são fundamentais para nosso curso!
  33. Exato Loirinha, mas não se trata de certo ou errado.

    Apenas interesses distintos. Não entre na polêmica Matemática x Matemática aplicada É a velha disputa Platão x Aristóteles
  34. Entretanto as estruturas algébricas são fundamentais às matemáticas. Como o

    esqueleto, que nos sustenta. Estruturas algébricas são entidades abstratas constituídas por um conjunto (ou mais), operações sobre seus elementos e regras para operar.
  35. A estrutura de grupo envolve apenas um conjunto e uma

    operação. As estruturas de anel e corpo, envolvem um conjunto com duas operações. Já a estrutura de álgebra linear um conjunto e três operações. Vamos entender primeiro a estrutura de grupo.
  36. 1. A operação ⋆ é associativa, isto é, vale a

    regra ⋆ ⋆ = ⋆ ⋆ , ∀ , , ∈ . 2. Existe um elemento privilegiado, ∈ , tal que ⋆ = , ∀ ∈ . 3. A cada elemento ∈ corresponde um elemento ∈ que satisfaz ⋆ = . O grupo G é comutativo ou abeliano quando: 4. Para , ∈ vale ⋆ = ⋆ . Um grupo ,⋆ é uma estrutura formada por um conjunto G e uma operação ⋆ ∶ × → , tais que:
  37. Por tradição, quando ⋆ ∶ × → for uma operação

    do tipo: • Adição (+), o elemento privilegiado receberá o nome de elemento neutro será representado pelo zero (0), e será o oposto, −. • Multiplicação ( ∙ ), o elemento privilegiado receberá o nome de unidade ou identidade e será representado por (1, ), e será o inverso, −1. Nos exemplos ⋆ geralmente representará uma operação tipo adição ou multiplicação, para conjuntos G com os mais variados tipos de elementos.
  38. P/ex. o oposto de 9 é 3, já que 3

    + 9 = 12. Assim −3 = 9. Da mesma forma, − 5 = 7, pois 5 + 7 = 12. Este é um exemplo de grupo finito. O conjunto das horas = 1, 2, 3, ⋯ , 11,12 do relógio ao lado com a operação de adição de horas, (, +), formam um grupo abeliano: • O elemento neutro é o 12 (o zero!) já que para toda hora ℎ ∈ temos + 12 = . • Cada hora ℎ ∈ possui sua oposta −ℎ, que satisfaz ℎ + −ℎ = 12.
  39. Loirinha, mostre que ℕ, + e ℤ , ∙ não

    são grupos. Confira que ℚ, + também é um grupo. ℤ, + é um grupo abeliano. • O elemento neutro é o 0 já que para todo ∈ ℤ temos + 0 = . • Cada ∈ ℤ possui seu oposto −, que satisfaz + − = 0.
  40. Tanto ℝ, + como ℝ∗ , ∙ possuem estrutura de

    grupo abeliano. Idem para ℂ, + e ℂ∗ , ∙ . Lembrem-se ℚ∗ = ℚ\{0} ℚ∗, ∙ também é um grupo abeliano. • O elemento privilegiado é o 1 (elemento identidade), pois para todo ∈ ℚ∗ temos ∙ 1 = . • Cada ∈ ℚ∗ possui seu inverso −1, que satisfaz ∙ −1 = 1.
  41. Pois é Surfista, volte lá e confira! Na definição abstrata

    de espaço vetorial, V, exige-se que a adição + ∶ × → seja um grupo abeliano.
  42. Um corpo , +,∙ é uma estrutura algébrica formada por

    um conjunto K e duas operações: + ∶ × → e ∙ ∶ ∗ × ∗ → ∗ que tornam K e ∗ = {0} grupos abelianos para a adição e multiplicação (respectivamente) e, além disso, satisfazem: A distributividade da multiplicação sobre a adição: ∙ + = ∙ + ∙ , ∀, , ∈
  43. Os conjuntos ℚ , ℝ e ℂ dos números racionais,

    reais e complexos são exemplos de corpos com as operações de adição e multiplicação.
  44. Vamos passar dos espaços vetoriais à álgebra linear. Surfista, você

    já se perguntou a respeito desse nome: álgebra linear?
  45. Uma álgebra linear é um espaço vetorial V no qual

    está definida uma multiplicação ∙ ∶ × → que satisfaz as propriedades: Para , ∈ , ∈ ℝ: • Distributividade pela esquerda: + ∙ = ∙ + ∙ • Distributividade pela direita: ∙ + = ∙ + ∙ • Compatibilidade com fator de escala: () ∙ = ()( ∙ )
  46. O espaço vetorial ℳ , das matrizes quadradas de ordem

    n constitui uma álgebra linear com a operação de multiplicação de matrizes. Ela não é comutativa, veja um contra-exemplo na próxima transparência.
  47. • O espaço ℙ das funções polinomiais torna-se uma álgebra

    linear com multiplicação herdada de ℱ(, ℝ); • O mesmo vale para , . É muito fácil conferir que ℱ(, ℝ) torna-se uma álgebra linear com a multiplicação assim definida. Dadas duas funções , ∈ ℱ(, ℝ) o produto ∙ ∈ ℱ(, ℝ) é a função definida para cada ∈ por ∙ = () ∙ ()
  48. A forma de definir o conceito de tamanho, de norma

    de um vetor, em espaços vetoriais abstratos é exigir o cumprimento de três condições satisfeitas pelas normas no plano e no espaço euclidianos. A 1ª é muito natural e intuitiva: o tamanho de um vetor não pode ser negativo; mais que isso, se o tamanho de um vetor é zero ele tem que ser o vetor nulo. Não importa que coisa é esse vetor. As outras duas envolvem as operações de espaços vetoriais: a escala e a soma. Confiram na próxima transparência.
  49. Uma função ∙ ∶ ⟶ ℝ definida num espaço vetorial

    V é uma norma quando satisfaz: I. ≥ 0 e = 0 ⇒ = 0. II. = - a escala III. + ≤ + - a desigualdade triangular para , ∈ e α ∈ ℝ. Aqueles espaços vetoriais em que é possível definir uma norma são chamados espaços normados. Os espaços euclidianos são espaços normados (prove isto, Loirinha).
  50. Espaços normados completos são chamados de espaços de Banach. Um

    espaço normado é completo quando toda sequência de Cauchy é convergente para um vetor do próprio espaço.
  51. Os espaços euclideanos são espaços de Banach. O espaço [,

    ] das funções contínuas num intervalo fechado [, ], com a norma ∞ = max ∈[,] () é um espaço de Banach.
  52. Imaginando que ela está definida no intervalo 0,2 , é

    só calcular o o valor máximo de () em [0, 2]. Veja graficamente:
  53. Loirinha, esse é o programa. Ele permite que você escolha

    o domínio e a expressão da função.
  54. Mas como faremos para medir ângulos entre esses vetores abstratos?

    A Loirinha está impossível, hoje! Again, with abstraction my dear Blonde, with abstraction!
  55. Os espaços vetoriais para os quais é possível definir uma

    tal função são denominados espaços com produto interno. Um produto interno num espaço vetorial V é uma função, ∙ , ∙ ∶ × → ℝ, satisfazendo as propriedades: I. , = , II. , + = , + , III. , = , = , IV. , > 0, se ≠ 0 e , = 0, se = 0.
  56. Todo espaço vetorial V com um produto interno ∙ ,

    ∙ é, automaticamente, um espaço normado. Claro, basta definir a norma de V por = , , ∀ ∈
  57. Torno a repetir minha pergunta! Como faremos para medir ângulos

    entre esses vetores abstratos? Essa é fácil, através da fórmula = cos , se ≠ 0 e ≠ 0, como antes.
  58. Certo Surfista, mas antes você tem que garantir a validade

    da desigualdade de Cauchy- Schwartz. Sim, é preciso garantir que , ≤ , para então poder calcular θ = arc cos( , )
  59. Mestra eu queria mesmo saber é como calcular o ângulo

    entre duas funções! Te prometo alguns exemplos nas próximas aulas.
  60. Diremos que dois vetores abstratos u e v são ortogonais

    quando , = 0. O caso trivial é o vetor nulo, 0, ortogonal a todos os outros. E a projeção ortogonal de um vetor abstrato u sobre um vetor abstrato v é o vetor dado por = ,
  61. Ora, Surfista, é só substituir cos por , na fórmula

    antiga. Faça as contas! Não entendi, Mestra.
  62. Os espaços de Hilbert são os espaços vetoriais abstratos onde

    nossa intuição euclidiana é preservada ao máximo. Espaços de Hilbert são espaços com produto interno onde toda sequência de Cauchy é convergente. É a preservação de outra característica fundamental do plano e espaço euclidianos.
  63. • O espaço ℒ2 , das funções de quadrado integrável.

    • Os espaços de Sobolev 1, 0 1 , 2, etc, ambientes naturais para soluções de EDPs. Além dos espaços euclidianos de dimensão finita, é claro! Alguns exemplos importantíssimos de espaços de Hilbert (instâncias), são os seguintes:
  64. Você não viu isto em Cálculo, Surfista? Vou tornar a

    explicar mais adiante no curso. Mestra, faltou explicar o que é uma sequência de Cauchy!.